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Na ópera O Nabuco, de Verdi, um dos trechos mais representativos é o silencioso protesto dos hebreus contra a violência e a opressão. Dá-se nos muros da Babilônia- o símbolo do poder e da corrupção. Porque ali só através do pensamento- e da voz em silêncio, escondida da chibata, mas em grito pela lembrança das “doces brisas”- poderia-se cantar a glória de um povo e também a “coragem de padecer”. “Vai pensamento, em asas douradas/ vai, pousa sobre as colinas e montes…”
É um protesto contra a comodidade. A comodidade diante da corrupção. E mesmo nas cenas de estudantes pisados por cavalos, em protesto, na capital federal, contra os escândalos da era Arruda, ou mesmo professores, em pleno direito de gritar contra o mar de lama no Rio Grande do Sul, do governo Yeda Crusius, mesmo esse direito- o direito de protesto- é compreensivelmente abafado. Compreensível porque a regra não é protestar, mas deixar cooptar-se.
Os excessos dos governos não são apenas aqueles que se veem fora dos muros de Alagoas. Há claras reações internas, por aqui, de que só a violência policial pode expulsar os favelados de Jaraguá- como ouvi na semana passada, da boca de um vereador- ou impedindo a passagem de carros de som- em protesto- em áreas do Centro, próximas ao Palácio República dos Palmares.
Sem esquecer do uso chibata- ameaça de parlamentares- contra os neo-hebreus, os alagoanos e seus lamentos babilônicos, sem necessidade, pensam eles.
Isso porque a legítima voz é a da violência do Bope, no Detran, ano passado, quando jornalistas e sindicalistas desarmados foram excessivamente tolhidos por bombas de efeito moral, quando o totalitarismo parecia estar banido, na era democrática.
Não o esgotamento das negociações- o diálogo propriamente dito- mas o uso de efeitos neutralizantes, como somente práticas conservadoras sabem dirigir-se.
(Lembro em um destes protestos, na ocupação da Secretaria de Educação, em 2006, uma mãe recebeu a ligação do filho- do Bope. Pedia que ela deixasse o prédio, por causa da ação policial).
São lições que os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto- exaltados por governantes daqui- deram ao Brasil em tempos idos, do início da República. Protestos abafados à força, mesmo contra manifestantes desarmados. Foi à força, por exemplo, que Floriano pôs seu nome em “Florianópolis”. A espada e o canhão tinham de abafar os gritos, insistentes gritos contra a corrupção, esses também do governo de Deodoro.
Não apenas os dois, frise-se. Washington Luiz, presidente do ciclo “café com leite”, na República Velha, já dizia que “a questão social é caso de polícia”. É a munheca para abafar o grito da minoria- na verdade, a maioria da sociedade.
A revitalização dos gritos contra a força deve-se fazer ouvir contra a violência oficial. Porque o profundo lamento de uma sociedade insatisfeita- ante o discurso oficial corrompido pelos panetones ou os favelados que à força tem de entrar na era da civilização- deve ter como pano de fundo o diálogo superador dos conflitos.
Afinal, quem prega o uso da força e da munheca da morte contra os traficantes, nivelados quase sempre a miseráveis, pobres ou os maloqueiros de rua, corteja com facilidade a autoridade acusada de formação de quadrilha, enterrando dinheiro na cueca, na meia ou defendendo o assassino mais cruel de um grupo de extermínio no Tabuleiro dos Martins. Ele mesmo protegido pelas autoridades, justificando que a questão social é mesmo caso de polícia.