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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Raspatoulle

No delicioso filme de animação Ratatouille, onde um rato era um talentoso chef de cozinha num restaurante francês, uma das últimas cenas é simplesmente inesquecível. O rigorosíssimo crítico gastronômico Antón Ego ao provar um prato de mesmo nome do título, num segundo ele é lançado de volta à sua infância, sentadinho à mesa comendo  o mesmíssimo prato que sua mãe preparava. Apesar de ser um desenho animado, existe uma forte carga emocional nessa cena, onde o arrogante e imperioso crítico é tomado por tamanha experiência nostálgica através do paladar. Seus olhos tornam-se infantis e o rosto transborda plenitude —trata-se de uma cena clássica dos filmes de animação. Quem não a viu, aconselho procurá-la no YouTube.  Um dia desses estava resolvendo umas coisas no Centro da cidade, quando deparei-me com uma máquina do tempo em forma de carrinho de raspadinha. Se você é da geração próxima à minha, onde os lanches eram “raiz” e não sabíamos nem da existência de Nutella, saberá exatamente do que estou falando.

Aproximei-me sendo atraído feito urso no mel e fiquei ressabiado olhando aquelas garrafas coloridas tão familiares na minha infância. O “raspadinheiro” ficou me olhando com desdém até que juntei coragem e pedi uma.
-Vai querer de que? —perguntou o homem entediado. Eu prontamente respondi:
—Maçã e coco!
Sim, a clássica maçã e coco era campeã nacional naquele meu micro-universo da minha época. Num tempo onde coliformes fecais existia apenas nos livros de ciência da escola, a raspadinha era o manjar dos deuses que fazia a festa da garotada sedenta. A de maçã e coco então era a preferida da maioria.
Segurei aquela bebida pré-histórica nas mãos e apreciei brevemente o leve e familiar aroma. Então eu provei…
Pois é meus queridos, tive meu momento  Antón Ego —num piscar de olhos estava na praia, ainda pequeno, brincando com meus irmãos e com a sunga cheia de areia nos fundilhos. Foi uma viagem temporal num buraco de minhoca imaginário que me transportou alguns anos no passado. Está bem, está bem , MUITOS anos no passado.
O gatilho da raspadinha de maçã e coco foi eficaz e prazeroso e por um instante esqueci de onde vinha aquele gelo, aquelas garrafas e onde o raspadinheiro enfiou a sua mão minutos antes.
Experiências com essas são raras e cada vez mais valorizadas nesse mundo louco e sisudo demais.
Não é, Antón Ego?

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