No delicioso filme de animação Ratatouille, onde um rato era um talentoso chef de cozinha num restaurante francês, uma das últimas cenas é simplesmente inesquecível. O rigorosíssimo crítico gastronômico Antón Ego ao provar um prato de mesmo nome do título, num segundo ele é lançado de volta à sua infância, sentadinho à mesa comendo o...
No delicioso filme de animação Ratatouille, onde um rato era um talentoso chef de cozinha num restaurante francês, uma das últimas cenas é simplesmente inesquecível. O rigorosíssimo crítico gastronômico Antón Ego ao provar um prato de mesmo nome do título, num segundo ele é lançado de volta à sua infância, sentadinho à mesa comendo o mesmíssimo prato que sua mãe preparava. Apesar de ser um desenho animado, existe uma forte carga emocional nessa cena, onde o arrogante e imperioso crítico é tomado por tamanha experiência nostálgica através do paladar. Seus olhos tornam-se infantis e o rosto transborda plenitude —trata-se de uma cena clássica dos filmes de animação. Quem não a viu, aconselho procurá-la no YouTube. Um dia desses estava resolvendo umas coisas no Centro da cidade, quando deparei-me com uma máquina do tempo em forma de carrinho de raspadinha. Se você é da geração próxima à minha, onde os lanches eram “raiz” e não sabíamos nem da existência de Nutella, saberá exatamente do que estou falando.
Aproximei-me sendo atraído feito urso no mel e fiquei ressabiado olhando aquelas garrafas coloridas tão familiares na minha infância. O “raspadinheiro” ficou me olhando com desdém até que juntei coragem e pedi uma.
-Vai querer de que? —perguntou o homem entediado. Eu prontamente respondi:
—Maçã e coco!
Sim, a clássica maçã e coco era campeã nacional naquele meu micro-universo da minha época. Num tempo onde coliformes fecais existia apenas nos livros de ciência da escola, a raspadinha era o manjar dos deuses que fazia a festa da garotada sedenta. A de maçã e coco então era a preferida da maioria.
Segurei aquela bebida pré-histórica nas mãos e apreciei brevemente o leve e familiar aroma. Então eu provei…
Pois é meus queridos, tive meu momento Antón Ego —num piscar de olhos estava na praia, ainda pequeno, brincando com meus irmãos e com a sunga cheia de areia nos fundilhos. Foi uma viagem temporal num buraco de minhoca imaginário que me transportou alguns anos no passado. Está bem, está bem , MUITOS anos no passado.
O gatilho da raspadinha de maçã e coco foi eficaz e prazeroso e por um instante esqueci de onde vinha aquele gelo, aquelas garrafas e onde o raspadinheiro enfiou a sua mão minutos antes.
Experiências com essas são raras e cada vez mais valorizadas nesse mundo louco e sisudo demais.
Não é, Antón Ego?