Quando eu era pequeno, lembro-me que uma noite estava na casa de uma tia assistindo Jornal Nacional com meus primos, quando o quase centenário Cid Moreira ao lado do seu fiel escudeiro Sérgio Chapelin, noticiaram daquele jeito espetaculoso que faziam tão bem, que um laboratório espacial americano chamado Skylab, havia apresentado algum defeito e por...
Quando eu era pequeno, lembro-me que uma noite estava na casa de uma tia assistindo Jornal Nacional com meus primos, quando o quase centenário Cid Moreira ao lado do seu fiel escudeiro Sérgio Chapelin, noticiaram daquele jeito espetaculoso que faziam tão bem, que um laboratório espacial americano chamado Skylab, havia apresentado algum defeito e por causa disso , iria simplesmente cair na Terra. Aquilo me deixou apavorado. Assisti o noticiário até o fim e comecei a ser tomado pelo terror. Imaginei aquele artefato de 36 metros de comprimento, 6,7 de diâmetro e 91 toneladas (thanks, Google) despencando lá do céu na cabeça de nós, pobres terráqueos. Seria o fim do mundo! – Pensei.
Nesta noite, eu iria dormir na casa da minha tia, mas apavorado pedi para ligarem para meu pai vir me buscar. Minha tia ainda tentou consolar-me, mas foi em vão. Todo choroso eu só queria estar em casa com meus pais e irmãos quando o trambolho espacial desabasse sobre nossas cabeças e acabasse com todo mundo.
Meu pai ao chegar, começou a me explicar que a Terra era gigantesca e o bendito laboratório espacial muito provavelmente cairia no oceano- o que acabou de fato acontecendo. Naquele momento, senti pela primeira vez quão frágeis éramos vivendo nesse pequeno planeta azul boiando no espaço. Foi quando me dei conta que eu, minha tia, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, estávamos todos expostos ao acaso vindo do céu, ou à ira de de Deus vinda do mesmo canto. Eu era tão pequeno e, naquele momento, já caía na real que o nosso mundo definitivamente não era um lugar tão seguro para vivermos.
Entretanto, vivemos a maior parte do tempo achando que temos controle sobre o nosso mundo. Essa ideia nos permite nos preocuparmos com outras coisas, como estudar, pagar boletos e com a vida alheia. Em pleno século XXI nós, seres humanos, não mais precisamos nos preocupar tanto com a ira divina, que fazia jorrar lavas dos vulcões, provocava inundações e terremotos catastróficos e que mandava pestes que dizimavam populações inteiras -hoje em dia somos capazes de prever, intervir e remediar desastres coletivos como esses e outros. Será mesmo ?
Estamos vivendo um dos momentos mais tensos e trágicos da nossa história, talvez só comparado a tempos de guerra. Nosso inimigo é invisível, mas a depender do desenrolar dos fatos, podemos confirmar a ideia que as reações individuais e coletivas dos homens acaba sendo mais nefastas que a própria moléstia em si -igualzinho aos filmes apocalípticos do cinema. Numa ameaça vinda do espaço, seja um cometa ou um laboratório voador, ou mesmo num tsunami, a solidariedade e empatia prevalecem entre as pessoas. Mas, quando o inimigo é invisível, de origem controversa e transmitido de um ser humano para outro, acabamos enxergando o próximo como uma ameaça em potencial, causando medo, repulsa e distanciamento, típico do instinto de sobrevivência agindo e falando mais alto. Quando combinados então com enfrentamento político e dificuldade econômica, está pronto um cenário perfeito para um caos social sem precedentes.
Saudade do tempo em que a ameaça à humanidade era um charuto voador vinda do espaço caindo em nossas cabeças. O inimigo agora é microscópico carregado por cada um de nós, com consequências nefastas principalmente para os mais idosos.
Por falar nisso, será que os centenários Cid Moreira e Sérgio Chapelin estão devidamente protegidos em suas casas?