A cena é sempre a mesma: paciente ansiosa pela tão esperada remoção do aparelho ortodôntico —então pego um alicate e vou retirando um a um todos os brackets, até que em poucos segundos não resta mais nenhum, deixando assim o sorriso da paciente sem os “ferrinhos” que tanto a ajudaram, mas que há muito...
A cena é sempre a mesma: paciente ansiosa pela tão esperada remoção do aparelho ortodôntico —então pego um alicate e vou retirando um a um todos os brackets, até que em poucos segundos não resta mais nenhum, deixando assim o sorriso da paciente sem os “ferrinhos” que tanto a ajudaram, mas que há muito já a incomodavam.
—Já, doutor? Nossa, como é rápido!
Então aproveito o momento para fazer uma graça:
—Pois é, para destruir, demolir ou desfazer é sempre bem mais rápido. Minha teoria é que isso serve para tudo, sejam prédios , fortunas, reputações e também o aparelho ortodôntico. —sentenciei, tentando imprimir alguma sabedoria e humor naquele momento prosaico, no meio de um dia normal de atendimento.
Volta e meia usava aquele discurso, quando o paciente demonstrava algum espanto diante da ligeireza da remoção do bendito aparelho —afinal, é sabido que sua instalação completa é bastante trabalhosa e demorada.
Em seguida, a paciente, uma senhora muito distinta e tímida, quando ia abrir a boca para falar alguma coisa, foi interrompida por um jato d’água fino e potente bem embaixo da sua língua, fazendo-a tomar um pequeno susto. Após minha orientação para cuspir, ela finalmente falou:
— Doutor, nem tudo é mais rápido e fácil para desfazer ou acabar, como o senhor falou.
Naquele momento, fiquei intrigado e curioso e então perguntei-lhe o que seria mais fácil de se fazer do que desfazer. Ela então respondeu timidamente, porém com bastante propriedade e convicção:
— Casamento, doutor. Casamento é uma coisa que é muito mais fácil começar do que desfazer. Ah, e acabar é muito mais trabalhoso e doloroso também!
Pronto, naquele instante caia por terra minha teoria -foi desconstruída rapidamente, assim como ela própria afirmava —realmente não lembrei-me que sim, existe essa exceção. Casamento é algo cuja dissolução, o fim, o encerramento dá muito mais trabalho e leva muito mais tempo que o seu começo. Obviamente não refiro-me aqui à parte espetaculosa, como festas, cerimônias e montagem do primeiro lar -até porque nem sempre é assim que se começa um casamento. Mas, era impossível discordar da minha tímida paciente. A implosão de um prédio que levava apenas alguns segundos, bem como a retirada completa do aparelho da boca do paciente, assemelhavam-se pela rapidez e facilidade de suas finitudes. Mas, o tempo e desgaste de uma separação implodia de uma vez a minha jocosa teoria.
Bem, para não perder o “time” do diálogo, esperei a paciente levantar-se e ao entregar-lhe o espelho, falei bem humorado:
—Outra diferença é que a finalização de um tratamento ortodôntico provoca em seguida um belo sorriso estampado no rosto.
Mas, prontamente ela retrucou:
—Verdade, doutor, mas às vezes uma separação também.
Desisto….