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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Treminhão

Lembro-me, viajando de carro com os filhos ainda pequenos, mãos firmes no volante, olhos atentos na estrada em pista única e doido para chegar ao destino. Como nunca fui muito fã de estrada, viajar dessa maneira sempre foi algo que me causou muita tensão.
Porém, uma das coisas que mais me estressavam eram as ultrapassagens, sobretudo as dos “treminhões” carregados de cana – espécie de cruzamento bizarro entre trem e caminhão, como o próprio nome indica. Esses monstros da estrada trafegam normalmente mais lentos, causando quase sempre um grande congestionamento atrás de si. Quando os encontrávamos na estrada era um Deus nos acuda com uma fileira enorme de carro atrás, tentando um a um ultrapassar aquele gigante sobre rodas. Eu ficava ali, ainda mais tenso  aguardando minha vez de ultrapassá-los, sobretudo sabendo a valiosa carga que eu transportava. Os carros à frente iam, aos poucos, desaparecendo quilômetros à frente, enquanto eu pacientemente aguardava minha vez. Olhava atentamente a estrada do sentido oposto, dava a sinaleira e então acelerava certeiro, rezando para não haver nenhuma surpresa durante esse momento de tensão – eram segundos de apnéia e concentração absoluta, até finalmente encontrar a pista todinha livre à frente, onde eu enfim poderia pisar o pé mais relaxado. Só que…
…Só que bastavam alguns minutos após a tensa ultrapassagem para eu ouvir o som mais desanimador daquele momento:
– Quero fazer xixi! – dizia com a voz fininha um dos meus filhotes.
Pronto! Tanto esforço e estresse jogado pelo ralo. Tentava ainda argumentar:
– Não dá para aguentar mais um pouquinho? Mais à frente o papai para…
Minha mulher então interrompia dizendo  que não tinha como, que a prioridade eram as crianças, que eles iriam acabar fazendo nas calças, que já estavam apertadas faz tempo, que…
– Tá bom, tá bom! No próximo posto eu paro! – encerrava a discussão acabrunhado.
Então, um pouco mais à frente, eu avistava um posto de gasolina, no qual eu dava a providencial parada técnica. Quando eu descia do carro para dar uma esticada nas pernas enquanto os meninos dirigiam-se ao sanitário com a mãe, eu escutava vindo da estrada o enorme e característico barulho do motor do bendito treminhão em direção ao seu destino, seguido por uma fileira de carros, aos quais muito em breve eu iria novamente me juntar. Tanto esforço em vão -pensava desolado.
Na história do nosso país, já vi varias vezes o Brasil parecer que finalmente iria deslanchar – afinal cresci acreditando ser este o “país do futuro”. Foram várias  e várias medidas e momentos econômicos dos quais o Brasil, ora se beneficiava, ora tornava-se vítima deles mesmos. Testemunhava avanços significativos com boa pujança econômica e melhoras nos índices de desenvolvimento, onde nós, no meio da pirâmide social,  exaltávamos com otimismo:“Dessa vez vai”.  Mas, sempre acontecia alguma coisa que adiava nossa entrada no panteão dos países desenvolvidos, ao qual acreditamos que um dia nos será de direito.
Há alguns anos, a capa da revista inglesa Financial Times, estampava o Cristo Redentor decolando rumo ao céu de brigadeiro, para em seguida estampar uma outra onde o tal foguete redentor, interrompia sua ascensão despencando desastrado rumo ao chão -simbolizando a expectativa criada e a triste realidade que acabou nos sendo ofertada. Mais uma vez, a estrada à frente fora desperdiçada para finalmente pisarmos o pé, sendo nós obrigados  a fazer uma nova parada técnica, restando-nos apenas assistir desolados o treminhão do desenvolvimento passar ruidoso em direção ao futuro, com uma fileira de países na rabeira.
A história mostra que nossos esforços, dedicação e atenção em ultrapassar o monstro que emperra nossa viagem, acabam não sendo suficientes. Quando parece que “dessa vez vamos”, alguém pede para ir ao banheiro e ainda acaba sujando o banco do carro – é a corrupção sim, mas também as decisões erradas, a incompetência dos que nos governam, os fatores exógenos e sobretudo o fato de nós sermos quem somos.
Estamos, nesse momento, tentando ultrapassar pela enésima vez o treminhão, num estado de tensão e ansiedade doidos para finalmente pisar o pé no acelerador.
A depender do vencedor do pleito eleitoral, poderemos exclamar exultantes mais uma vez um “dessa vez vai!”ou então um desolador  “eles de novo?”
Pois é, espero que não seja mais um tanto esforço em vão…

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