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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Viagem ida

Às vésperas de uma viagem longa e para longe, muito longe do meu quintal, experimento uma leve e já esperada angústia pré-viagem a qual chamo de “pobrismo” – forma irônica de nomear essa sensação que, creio eu, os ricos não sentem antes de viajarem mundo afora. Já eu, sou capaz de experimentá-la até numa simples viagem doméstica, dando um pouco de agonia à medida que ela se aproxima – mas, felizmente atenuada assim que a dita cuja efetivamente se inicia.
Todavia, certamente sei do que se trata. É a sensação típica das pessoas razoavelmente controladoras – como eu – com rotinas rígidas, compromissos mil e que definitivamente acreditam que o mundo não funciona direito sem a sua presença – ao menos o MEU mundo não. Então o afastamento físico e consequentemente pessoal do meu pequeno universo que acredito controlar do alto da torre de comando, me provoca uma leve ansiedade, que leva à tal agonia pré-viagem, ou ao meu “pobrismo”, como queiram.
Muitas vezes acreditamos que somos a peça fundamental das engrenagens que movem a máquina do nosso microuniverso e, no entanto, descobrimos, às vezes da pior forma, que somos bem menos necessários que supúnhamos. Aqueles que acreditamos serem hiperdependentes de nós, certamente continuarão a mover-se adiante na nossa ausência, sem que um colapso trave o mecanismo que sim, funciona sem nossa presença.
Então, a poucos dias da tal viagem, tento não me deixar tomar pela angustiante sensação de que minha falta, ainda que temporária, trará consequências maiores para o mundo ao meu redor. Tento então pensar apenas na parte boa e principalmente deixar tudo e todos devidamente pagos – isso sim, fundamental para atenuar as consequências em meu retorno.
Acontece que essa é uma excelente oportunidade de despir-me de mim mesmo e de todos os meus excessos – coisa que não faço há muito tempo – e ser apenas eu na minha essência. Parece bobagem? Pode até ser, mas vamos ao longo dos anos acumulando títulos, cargos, bens, compromissos, responsabilidades e obrigações que vão tornando-se maiores que nós mesmos, ao ponto de esquecermos ou ignorarmos quem somos verdadeiramente quando despidos de tais penduricalhos. Esse afastamento físico do nosso próprio mundo passa a ser uma bela chance de experimentarmos quem somos novamente – e não O QUE somos – desde que nos permitamos, é claro.
Porém, Percebo que ao escrever sobre essa desconfortável sensação, já a sinto atenuar-se em meu peito – nada melhor que trazer para o consciente algo que fustiga-nos nas profundezas de nós mesmos.
Bem, confesso estar disposto a deixar-me em meu quintal e voltar a vestir-me assim que voltar; dessa forma conseguirei viver plenamente dias que certamente me serão inesquecíveis. Tornar-me-ei leve de meus penduricalhos e excessos para curtir plenamente as novidades velhas com coração de menino e olhos suaves. Procurarei atenuar pensamentos que me puxarão para meu “mundo real” para que meu mergulho seja “molhando a cabeça”. Ao voltar, certamente ele estará praticamente o mesmo – mas, quem sabe eu não?

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