Não pretendo discorrer detalhes sobre a viagem recente que fiz por algumas cidades do continente europeu para não parecer esnobe ou coisa do tipo; mas, para um cronista como eu, que vive uma vida rotineira e bastante repetitiva, uma fuga para tão longe durante tantos dias não poderia escapar incólume de observações atentas e virar...
Não pretendo discorrer detalhes sobre a viagem recente que fiz por algumas cidades do continente europeu para não parecer esnobe ou coisa do tipo; mas, para um cronista como eu, que vive uma vida rotineira e bastante repetitiva, uma fuga para tão longe durante tantos dias não poderia escapar incólume de observações atentas e virar conteúdo para esse humilde blog.
Apesar do nosso planeta ser uma minúscula poeira no universo, ainda assim ele é gigantesco. Milhares de quilômetros são percorridos e sempre com ocupação humana. A variedade cultural e de costumes é de impressionar e fascinar ao mesmo tempo. O bicho homem também apresenta uma diversidade quase ilimitada, com cabelos, pelos, odores, cores, gostos, rostos, alturas, larguras, bigodes, bundas e beiços de deixar o observador mais atento de queixo caído. A pletora de novidades que enchem os olhos, ouvidos e narinas é um convite para se caminhar, caminhar e caminhar com o justo objetivo de se perder e se achar – afinal, perder-se em ruelas faz parte da experiência pretendida. Experimentar sabores é quase uma necessidade. Conviver de perto com tanta gente esquisita – tanto quanto somos para eles também – é um espetáculo à parte. E o que dizer sobre abrir os ouvidos a tantas línguas estranhas, nessa Babel moderna que muitas vezes provoca um certo desespero?
Como não registrar o encontro “tete a tete” com paisagens saídas de livros, filmes, sites e quebra-cabeças de 1000 peças, bem como a emoção que esse encontro nos provoca? Como não se emocionar em tocar paredes e esculturas feitas magistralmente por mãos hábeis de centenas ou até milhares de anos atrás? Como ficar alheio ante tanta grandeza, suntuosidade e magnitude e ao mesmo tempo com tantos detalhes, esmeros e minimalismos? Como não tentar entender os pensamentos, crenças, temores e amores que levaram tanta gente a entregar o próprio suor e sangue para erigir colunas colossais, abóbadas celestiais, fachadas gigantescas e paredes descomunais, para a materialização, ora tosca, ora magistral, feita em rocha, ferro, madeira, granito e ouro, de toda devoção, subserviência, arrogância e delírios coletivos da época, às custas do incalculável preço do sacrifício de muitos pelo açoite arrogante e poderoso de poucos?
Vale também o registro de observar a harmonia caótica de ruas, avenidas e vielas com suas casas enormes e minúsculas, tortas e retas, feias e lindíssimas, coloridas e pálidas que compõe um cenário completamente diferente da nossa realidade – é fundamental, portanto, observar soluções arquitetônicas criativas e suas execuções geniais, demonstrando quão empenhado é o ser humano na sua árdua missão de ocupar e se instalar em cada metro do seu pedaço de terra.
Então, finalmente o espetáculo civilizatório quase lisérgico se acaba e voltamos à nossa amarga e doce realidade. Comparar acaba sendo algo natural, porém injusto. Desejar viver indefinidamente por lá, nesses lugares que me parecem “já prontos”, na verdade não passaria de uma decorrência momentânea da soma do encanto com o quintal florido dos outros, com o desencanto justificável com o nosso pobre jardim.